sábado, 6 de fevereiro de 2016

À Máquina de Escrever

Eu tinha uma! Era uma Olivetti verde, que era do meu pai, acho. Mas quem usava era eu. Até hoje tenho que controlar a força na hora de escrever nos delicados teclados de computadores e notebooks. Na minha Olivetti eu batia, senão não saía a tinha. E sempre tinha aquela letra que resolvia ficar mais clara. E às vezes eu batia tão rápido que  as letras se juntavam no papel!
Um dia a televisão que tinha no meu quarto no girovisão despencou lá de cima. Caiu no meio da noite em cima da minha máquina. Acordei gritando com aquele barulhão e, ao acender a luz, me deparei com a televisão no chão e a máquina na mesa meio destruída.
No dia seguinte, me preocupei com a máquina. A televisão, acredite, sobreviveu sem um arranhão! Mas a máquina... Oh, minha pobre Olivetti. Tinha um enorme amassado bem no meio onde a TV deve ter caído de quina. Peças voaram por toda parte e algumas teclas sumiram. Meu pai a condenou.
Mas eu, não! Me dediquei o dia inteiro juntando as peças, batendo no metal até ele voltar ao formato original, fazendo meu quebra-cabeças pessoal. E não é que consertei a danada? Ela ainda me acompanhou por muitos anos! Fui muito resistente na hora de trocar a máquina pelo computador, mas a praticidade venceu. Não sei que fim levou minha velha máquina, mas sei que  nunca me esqueci dela.
Hoje, procurando meu diploma da faculdade, me deparei com um monte de coisas antigas, dos tempo de adolescente. Achei um recorte de Jornal com uma das poesias mais lindas que já li. Achei que você gostaria de lê-la também!



Giuseppe Ghiaroni
A Máquina de Escrever

Mãe, se eu morrer de um repentino mal,
vende meus bens a bem dos meus credores:
a fantasia de festivas cores
que usei no derradeiro Carnaval.Vende esse rádio que ganhei de prêmio
por um concurso num jornal do povo,
e aquele terno novo, ou quase novo,
com poucas manchas de café boêmio.

Vende também meus óculos antigos
que me davam uns ares inocentes.
Já não precisarei de duas lentes
para enxergar os corações amigos.

Vende, além das gravatas, do chapéu,
meus sapatos rangentes. Sem ruído
é mais provável que eu alcance o Céu
e logre penetrar despercebido.

Vende meu dente de ouro. O Paraíso
requer apenas a expressão do olhar.
Já não precisarei do meu sorriso
para um outro sorriso me enganar.

Vende meus olhos a um brechó qualquer
que os guarde numa loja poeirenta,
reluzindo na sombra pardacenta,
refletindo um semblante de mulher.

Vende tudo, ao findar a minha sorte,
libertando minha alma pensativa
para ninguém chorar a minha morte
sem realmente desejar que eu viva.

Pode vender meu próprio leito e roupa
para pagar àqueles a quem devo.
Sim, vende tudo, minha mãe, mas poupa
esta caduca máquina em que escrevo.

Mas poupa a minha amiga de horas mortas,
de teclas bambas,tique-taque incerto.
De ano em ano, manda-a ao conserto
e unta de azeite as suas peças tortas.

Vende todas as grandes pequenezas
que eram meu humílimo tesouro,
mas não! ainda que ofereçam ouro,
não venda o meu filtro de tristezas!

Quanta vez esta máquina afugenta
meus fantasmas da dúvida e do mal,
ela que é minha rude ferramenta,
o meu doce instrumento musical.

Bate rangendo, numa espécie de asma,
mas cada vez que bate é um grão de trigo.
Quando eu morrer, quem a levar consigo
há de levar consigo o meu fantasma.

Pois será para ela uma tortura
sentir nas bambas teclas solitárias
um bando de dez unhas usurárias
a datilografar uma fatura.

Deixa-a morrer também quando eu morrer;
deixa-a calar numa quietude extrema,
à espera do meu último poema
que as palavras não dão para fazer.

Conserva-a, minha mãe, no velho lar,
conservando os meus íntimos instantes,
e, nas noites de lua, não te espantes
quando as teclas baterem devagar.

Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/gghiar01.html

3 comentários:

Jéssica Veneno_Official disse...

Nasci em 89 então basicamente nasci na era da informatica , mas não sei explicar meu amor por maquina de escrever ,lembro que uma vez pedi para meu pai para fazer um curso de datilografia e ele indignado falou: Mas Je isso não existe mais ,agora é era da informatica , tinha uma amiga de escola que tinha e quando ia visita-la brincava com aquelas teclas nostálgicas, o computador pode ser rápido mas nunca terá a elegância e o romantismo de uma maquina de escrever ,sobre a cronica que você postou estou emocionada ,acordei muito mal hoje e esse texto aliviou minha alma ,obrigado....


http://jessicavenenoofficial.blogspot.com.br/

Eddie disse...

Que bom saber que há mais espíritos velhos e românticos como nós, Jéssica! rsrsrsr
Obrigada pela visita! Aproveitei para conhecer seu blog e gostei muito! Elegantudo que só ele! Entrou nos meus favoritos!

Elaine Reis disse...

Uau...máquina de escrever. Era um sonho ter uma em que eu pudesse passar horas, madrugadas escrevendo, como aqueles escritores de filmes antigos. Adorava o barulho das teclas e aquela orelhinha que dava o mudar de linha. Cheguei a fazer curso de datilografia, que na época quem o fazia já estava entrando na fase quase adulta, pronta para conseguir um emprego.
Puxa, que delícia lembrar daqueles tempos...os velhos sonhos...obrigada.